Setor acumula em 4 anos tombo de 14,3% e perda de quase 1 milhão de vagas; confiança do setor volta a subir e reforça previsão de retomada do crescimento em 2018.
A construção civil ainda está em retração em 2017 e seu desempenho segura a recuperação da economia brasileira. Um levantamento do Sindicato Nacional da Indústria da Construção Pesada (Sinicon) em parceria com a LCA Consultores mostra que a construção é o componente do Produto Interno Bruto (PIB) com a queda mais intensa entre todos os setores em 2017.
No 1º semestre, o PIB da construção caiu 6,6%, frente ao 1º semestre de 2016, puxando para baixo o resultado geral da indústria (-1,6%) e do PIB total, que acumulou variação zero nessa base de comparação.
Os dados mostram que a construção caiu mais do que a média da economia nos últimos 3 anos e tem sentido a crise de forma mais profunda. Desde o 2º trimestre de 2013, a queda acumulada é de 14,3%, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), enquanto que o PIB total recuou 5,5% nos últimos 4 anos. Neste período, quase 1 milhão dos 2,7 milhões de vagas formais que deixaram de existir no país foram na construção.
No segundo semestre, o emprego no setor ensaia uma leve recuperação e teve a segunda alta mensal em agosto, com a criação de 1.017 novos postos de trabalho com carteira assinada no mês. No acumulado do ano, a construção civil fechou 30.330 vagas, de acordo com dados do Ministério do Trabalho.
“A economia brasileira está melhorando, mas a construção que é um setor que tem um impacto enorme não está. O PIB da construção já caiu 3 anos seguidos e continua caindo”, resume Petrônio Lerche Vieira, diretor-executivo do Sinicon.
O economista do Ibre/FGV, Júlio Mereb, projeta que a construção civil fechará 2017 com queda de 5,7% ante uma alta de 0,8% do PIB do Brasil.
Além de ser um setor intensivo em mão de obra, a retomada mais lenta da construção civil preocupa porque ela responde por cerca de 50% dos investimentos da economia. No 2º trimestre, a taxa de investimentos no país foi de 15,5%, segundo o IBGE, a menor para o segundo trimestre da série histórica iniciada em 1996.
O fraco desempenho da construção civil nos últimos anos é reflexo do encolhimento das construtoras envolvidas na operação Lava Jato, da forte queda nos investimentos públicos e do esfriamento do mercado imobiliário, além da própria crise econômica, disseram os especialistas consultados pelo G1.
‘Mão de obra dizimada’
Ao todo, há 2,21 milhões de pessoas trabalhando em vagas com carteira assinada na construção, um número ainda muito aquém dos 3,21 milhões registrados em agosto de 2013.
“A mão de obra do setor foi dizimada. Enquanto a economia perdeu 5% dos empregos com carteira, a construção perdeu 35%. É um número estupidamente maior”, afirma Petrônio Lerche Vieira, diretor-executivo do Sinicon.
Na esquina das ruas Barão de Itapetininga e Dom José de Barros, no Centro de São Paulo, desempregados da construção civil se reúnem diariamente à procura de uma oferta de trabalho. No local, as histórias se repetem.
São pedreiros, marceneiros e ajudantes gerais que afirmam já ter trabalhado em grandes canteiros de obras e que atualmente sofrem para encontrar “bicos”.
José Eduardo de Araújo, de 63 anos, desempregado há 5 meses, diz que em outros tempos andava pela cidade à procura de vaga nos canteiros de obra. “Não existe mais. Você anda em todo lugar tem canteiro de obras, e grandes, mas tudo parado”, observa.
A baixa escolaridade e qualificação da mão de obra do setor dificulta a recolocação profissional. Segundo o Sinicon, 50% não têm o ensino médio completo e 53% têm entre 30 e 49 anos.
O pedreiro Santino Borges, de 47 anos, desempregado há 3 meses, diz que os trabalhos que conseguiu nos últimos anos foi como ajudante de limpeza. “Obra fracassou, não tem mais serviço mesmo, é muito difícil”, afirma.
Obras paradas
A crise fiscal levou o governo federal e os estados e municípios a colocar o pé no freio nos investimentos (veja números no gráfico abaixo). O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) também emprestou menos. Os desembolsos do banco para projetos de infraestrutura diminuíram pela metade, de R$ 38,8 bilhões em 2015 para R$ 19,5 bilhões em 2016.
As grandes construtoras brasileiras enfrentam uma grave crise econômica. Grupos como Odebrecht, Camargo Corrêa e Andrade Gutierrez encolheram de 2014 para cá. E outras construtoras que vinham em expansão, como UTC e Galvão Engenharia, pediram recuperação judicial.
Há mais de 8,2 mil obras paralisadas em todo o Brasil, segundo um estudo de setembro da Confederação Nacional de Municípios (CNM). Outras 11,2 mil deveriam estar em andamento, mas não foram sequer iniciadas por atraso no repasse de recursos previstos no orçamento da União.
Imóveis encalhados
Além das obras de infraestrutura, o mercado imobiliário é outro segmento da construção civil que ainda sofre com a crise. O número de imóveis novos ofertados no país começou a cair em 2017. O estoque, no entanto, continua elevado e acima da média do período pré-crise.
Levantamento da Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc) mostra que a oferta total média disponível em 2017 está em 119.823 unidades, ante 116.308 em 2016.
“Essa é a pior crise que o setor já teve. Nessa, a queda foi abrupta”, afirma José Carlos Martins, presidente da CBIC Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC). “Uma coisa é você estar caminhando e tropeçar. Outra, é você estar correndo e tropeçar. O tombo é muito maior”.
Ele explica que a atual crise chegou também após um ciclo de grande aquecimento do mercado, que teve nos últimos anos um “boom” de lançamentos imobiliários.
No mercado imobiliário, a expectativa é que a recuperação comece um pouco antes, uma vez que a atividade é menos dependente de investimento público e de projetos de concessão ou licitação. A retomada dos lançamentos, entretanto, continua sendo limitada pelo excesso de oferta, demanda ainda fraca e preços em queda.
“Por mais que o mercado imobiliário tenha começado a dar uma recuperada, ainda é ínfimo ao que foi há algum tempo atrás. Nos últimos 2 anos, tivemos menos lançamentos do que vendas. Ou seja, mesmo que as vendas tenham caído, os lançamentos caíram muito mais”, disse José Carlos Martins, presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC).
Nos últimos meses, os indicadores de vendas e crédito imobiliário começaram a apontar para uma recuperação, mas o mercado imobiliário ainda segue distante dos patamares pré-crise. O crédito imobiliário com recursos da poupança, por exemplo, encolheu de um patamar R$ 112,9 bilhões em 2014 para uma previsão de R$ 45 bilhões em 2017.
Recuperação em 2018
Se por um lado o setor de construção civil tende a se recuperar de maneira mais lenta do que o restante da economia, aumenta o otimismo em relação a 2018. O índice de confiança da construção acumula 4 meses seguidos de alta e já recuperou o patamar de 2015, segundo a FGV.
Para Ventura, por se tratar de um setor em que as decisões são de longo prazo, a recuperação da confiança de investidores e compradores é fundamental. “A demanda existe, a questão que impacta é realmente o contexto econômico e os indicadores como confiança, a disponibilidade de financiamentos e a questão do emprego que acabam impactando o apetite dos investidores, afirma.
Entre os fatores que podem contribuir para a retomada estão a queda das taxas de juros, a melhora do crédito, a própria recuperação da economia e do mercado de trabalho, e a perspectiva de volta dos investimentos em infraestrutura em meio a série de privatizações e concessões promovidas pelo governo federal.
“Em 2018 deve estar começando a decolar as concessões que foram feitas ultimamente e, devem surgir outras, então começa uma reversão”, avalia Martins.
Já o presidente do Sinicon ainda vê pouca garantia de retomada dos investimentos em construção pesada e infraestrutura para patamares de antes do início da crise.
“Podem fazer um monte de PPPs, de investimento privado, mas tem coisas que é o governo que faz. Investimento público tem que ter o dedão do governo”, resume.